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Falar de igualdade de gênero é falar dos direitos da criança

A obra Marquees, da artista americana Jenny Holzer, ocupou letreiros de cinemas de Nova York (EUA) em 1993 com uma série de declarações e questionamentos. Um desses letreiros trazia a frase ‘Raise boys and girls the same way’ [Crie meninos e meninas de maneira igual]. Por que um começo igualitário faria diferença?

O Artigo 227 da Constituição Federal não faz distinção entre os direitos e proteção que devem ser oferecidos a meninos e meninas e o Artigo 3 do Estatuto da Criança e do Adolescente reafirma que os direitos enunciados na lei devem ser gozados por todos igualitariamente, sem distinção. No entanto, ainda no século 21, as meninas são educadas para a submissão, enquanto os meninos são ensinados a serem autônomos, investidos de autoridade e bem sucedidos profissionalmente. Essa relação desigual de poder que se estabelece desde cedo (meninos podem tudo e meninas… bem, elas podem querer casar com meninos e ser mães) é a raiz de uma série de estatísticas estarrecedoras, aqui em nosso quintal e no mundo.

O Brasil, por exemplo, é o quarto país do mundo em número de casamentos infantis. Ao todo, mais de um milhão de meninas entre 10 e 19 anos estão casadas. Destas, 65.709 têm entre 10 e 14 anos de idade. As motivações para o casamento vão desde gravidez, desejo de estabilidade financeira e fuga da violência doméstica até mesmo aspiração (ou necessidade) de fazer parte do mundo adulto, segundo estudo da Promundo [1].

Foto: Don Shewey_Another eye opens

Obra Marquees, da artista americana Jenny Holzer. (Foto: Don Shewey)

Em uma consulta ao Sistema de informação de agravos de notificação do SUS (Sinan), temos que, em 2014, 207 meninas menores de um ano sofreram violência sexual. Quando aumentamos a idade de 1 a 4 anos, são 1.568 meninas vítimas – e aqui precisamos lembrar que estamos em um universo de intensa subnotificação. Isso significa que quase cinco meninas de até 4 anos são violentadas por dia no Brasil.

No ano de 2015, 45% das denúncias de violações contra direitos da criança e 71% das denúncias de violência sexual registradas no Disque 100 estavam relacionadas a meninas. Uma pesquisa da Plan International Brasil, de 2014, com garotas de 6 a 14 anos apontou que uma em cada cinco conhece outra menina que já sofreu violência [2].

Não à toa, o termo empoderamento tem sido usado com frequência quando o assunto é o lugar da menina/mulher. Permitir que a menina desenvolva a sensação de que ela pode ser alguém, pode ter sonhos, pode estar livre de violência, pode ter uma vida independente de qualquer pessoa é dar a ela a chance de escolher um caminho. Para isso, é necessário criar políticas afirmativas de acesso e proteção às mulheres.

Precisamos quebrar o ciclo da desigualdade e da violência de gênero. Trazer o tema para a sala de aula, para a mesa de jantar e para os gabinetes onde são decididas as políticas públicas é garantir que a formação de uma nova geração, de fato, esteja em curso. Enquanto o começo de meninas e meninos não for igual, o futuro não será diferente.

[1] ‘Ela vai no meu barco’ – Casamento na infância e adolescência no Brasil, Instituto Promundo, 2015. Disponível aqui.

[2] Por ser menina no Brasil: crescendo entre direitos e violências, Plan International, 2014. Disponível aqui.

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